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  • Nícolas Gaspar

A Lista de Schindler - crítica

Combinando o horror abjeto do holocausto com a ternura humanista de Spielberg, Schindler's List é de suma importância para relembrarmos as atrocidades cometidas no passado e impedir que elas acontessam novamente.


“Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”

A frase do filósofo George Santayana pode ser usada para descrever a importância histórica de Schindler's List pelo fato da obra de Spielberg explicitar de forma nua e crua as atrocidades desumanas e cruéis cometidas pelo homem, e contra o homem, durante a Segunda Guerra Mundial. É um filme duro e difícil de assistir, não por ser ruim, mas por ser extremamente realista e não poupar detalhes para escancarar o quão desumano, primitivo, selvagem e apático o ser humano pode ser a ponto de tirar a vida de seu semelhante pelo fato de o mesmo ter nascido com uma ascendência diferente e julgada como "impura" por uma ideologia extremista e repugnante como o nazismo. Devo dizer que, pra mim, foi um filme extremamente difícil de assistir por despertar em mim sentimentos extremamente fortes que me levaram a crises de choro intensas e terem me abalado emocionalmente. Mas, o mais duro de tudo não foi esse sentimento, mas sim saber que tudo aqui retratado realmente aconteceu. Pessoas foram executadas como se fossem animais selvagens pelo simples fato de não se encaixarem no padrão "ariano" imposto pelo nazismo. Pessoas realmente foram vistas como mercadoria e objetos descartáveis no passado. Schindler's List retrata a história da humanidade e a crueldade do homem com seu semelhante de maneira escancarada usando um evento real, ou seja, usando a verdade. E a verdade dói, e muito. Mas a dor causada aqui é uma dor que deve sempre ser lembrada e nunca esquecida. É a dor dos 6 milhões de judeus assassinados no holocausto, a dor de saber que tudo isso realmente aconteceu e pode vir a acontecer novamento caso esqueçamos de nosso passado. Foi um período extremamente cruel e sem cor, em preto e branco - assim como a película do filme. Devemos sempre relembrar isso tudo, e este filme é uma ferramenta importante pra isso, para podermos manter em nossas memórias o quão repugnante o ser humano consegue ser e, acima de tudo, sempre ter isso em mente afim de impedir que novamente sejamos capazes de deixar que uma ideologia extremista, igual o nazismo, se espalhe como uma doença na sociedade e novamente comece a assassinar pessoas como animais selvagens e a segregar pessoas como se fossem nada. A abordagem humanista de Spielberg e do roteirista Steven Zaillian em retratar e pontuar as fases vividas pelos judeus na guerra. Inicialmente eles são tratados como animais sarnentos e constantemente humilhados, como seres inferiores. Logo em seguida, são expulsos de seus lares e têm suas casas saqueadas e muitos suas vidas tiradas de forma brutal, como se não valessem nada. E, por fim, os que sobrevivem devem viver de forma agonizante fadados a trabalhar em condições que remetem a escravidão e com as execuções desumanas diárias. E o mais impactante disso tudo: essas três fases são apresentadas com as mais mínimos detalhes tanto por Spielberg e Kaminski quanto Zaillian. Todos aqui trabalharam de forma harmoniosa afim de entregar um retrato doloroso sobre um dos mais brutais períodos da humanidade - mas, ao mesmo tempo, um retrato extremamente necessário. Provavelmente, uma das sequências mais angustiantes e impactantes é aquela na qual a câmera de Spielberg e a fotografia de Kaminski nos inserem no meio dos judeus enquanto a SS invade o Gueto e os expulsam de suas casas como se fossem seres inferiores. Os assassinando e humilhando-os como se fossem cães sarnentos, como se não fossem dignos dum tratamento humano.


A obra de Spielberg, notoriamente, explora a temática do bem e do mal, tendo um protagonista retratado como um "bom alemão" e um antagonista retratado como uma pessoa completamente sombria e má por natureza. Há de se dizer também que Schindler's List é um filme sobre humanidade: Oskar Schindler (Liam Neeson) evolui gradativamente de um apoiador do nazismo para um salvador e herói que abomina o nazismo. Assim, um terceiro tema de redenção é introduzido quando Schindler, um conspirador de má reputação à beira da respeitabilidade, torna-se uma figura paterna responsável por salvar a vida de mais de mil pessoas.


Um dos fatores que contribuem fortemente com a sensação de angústia e compaixão aqui é a fotografia atemporal de Kaminski que busca tecer um aspecto que remete a um estilo mais realista possível: o estilo documental. Aquela proximidade da câmera com os personagens, a película em preto e branco, as cenas sonoramente monótonas mas ressaltadas pelos barulhos dos tiros que executavam os judeus. Tudo aqui remete a um estilo documental e, diga-se de passagem, esse é justamente um dos aspectos que mais traz realismo a obra e ao mesmo tempo dor. A dor causada pela verdade.


Notoriamente, a fotografia de Kaminski carrega consigo simbolismos sutis e completamente interpretativo também, como a garota de vermelho. Enquanto o filme é rodado basicamente o tempo inteiro em preto e branco, um casaco vermelho é usado para distinguir uma garota na sequência que retrata a liquidação do gueto de Cracóvia. Mais adiante no filme, Schindler vê o cadáver dessa mesma garota exumado e reconhecível apenas pelo casaco vermelho trajado por ela. Esse detalhe visa simbolizar como os mais altos níveis de governo dos Aliados sabiam que o Holocausto estava ocorrendo, mas não fizeram nada para dete-lo. Era tão óbvio quanto uma garotinha vestindo um casaco vermelho e andando por uma rua sem cores, em preto e branco. E, ainda assim, nada foi feito para bombardear as linhas ferroviárias alemãs que transportavam os judeus. Nada estava sendo feito para no mínimo retardar a aniquilação dos judeus europeus. E a cena na qual Schindler vê o corpo da garota é justamente ponto em que ele muda. A fotografia em preto e branco de Kaminski também remete ao próprio holocausto: a vida dem luz e sem cores, em preto e branco.


No início do filme, começamos com velas acessas e com a película ainda colorida. Mas quando a cor se desvanece, surge um mundo sombrio no qual a fumaça passa a simbolizar corpos sendo queimados em Auschwitz. Somente no final, quando Schindler permite que seus trabalhadores realizem serviços de Shabat, as imagens de velas acesas recuperam seu calor através da cor. Isso representa um vislumbre de cor e de esperança que ali surge.


Nos dias de hoje, com a ascenção constante de ideais tão extremistas quanto o nazismo, Schindler's List se faz um filme de extrema importância para relembrar o passado e, acima de tudo, fazer o possível e o impossível para que ele não se repita.


 

"Aquele que salva uma vida, salva o mundo inteiro."

Em memória aos mais de 6 milhões de judeus assassinados. Nota: 10/10

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